domingo, 29 de março de 2009

Guerrilla Gardening



















Imagine-se que nesta cidade, ou numa cidade preferida, há pessoas que se organizam secretamente para semear flores em qualquer canto disponível do cenário urbano. E que esse embelezamento da selva de betão é ilegal. Bem-vindos ao Guerrilla Gardening.

À boa moda portuguesa é comum dizer-se que a necessidade aguça o engenho. O que, numa lógica macroeconómica de dimensão mundial, é o mesmo do que dizer que os tempos de crise são também tempos de oportunidade. Num contexto de urbanismo compulsivo e desenvolvimento desenfreado da construção civil, é por isso natural que surjam novas (ou renovadas) formas de manifestação de ideias. Seja ela política, social ou puramente estética. Há muito que são conhecidas as intervenções urbanas de activistas como squatters e writers/stencil artists. O que por ventura muita gente não imaginará é que esse espírito insurrecto se pode manifestar (e manifesta) também através da jardinagem. Exactamente, a perigosíssima actividade de jardinar.

Como muitas outras manifestações contra-culturais, o Guerrilla Gardening tem na sua génese uma questão tão secular quanto a propriedade da terra. Parte, precisamente, do princípio comunista da distribuição justa dos recursos naturais e do seu aproveitamento para o bem comum. Este tipo de jardinagem, praticada normalmente durante a noite para evitar a repressão policial, toma forma em todo o tipo de espaços: privados, camarários, duvidosos, etc.. E é assim que, um pouco por todo o mundo, há grupos de pessoas (neste caso, referir apenas jovens é francamente redutor) que fazem nascer todo o tipo de flora de um dia para o outro: das hortas às flores mais exóticas, das árvores de fruto às flores mais corriqueiras. O que fazem, não obstante cumprirem uma tarefa que qualquer comunidade civilizada agradeceria, é crime contra a propriedade.

Os guerrilla gardeners, como qualquer organização urbana com sede no submundo, têm formas diversas de proteger a sua actividade e, no limite, a sua própria pele. Nesse sentido, têm armas como quaisquer guerrilheiros, sendo que as mais comuns são as intituladas seed bombs (ou seed grenades), ou bombas de sementes. Quais cocktails molotov, as seed bombs são lançadas com um objectivo, embora pacífico: espalhar em segurança, frequentemente a partir de um carro em andamento, as sementes de nova vida vegetal. Para fazer seed bombs basta pesquisar na internet, mas vá já sabendo que dá jeito ter sementes, terra, adubo, fertilizante natural, por vezes estrume, e eventualmente alguma argila. Depois, é fazer bolas como as de areia na praia. E, claro, lançá-las no alvo com a esperança de que dali nasça vida nova.

Apesar dos princípios políticos com que nasceu (a primeira referência a Guerrilla Gardening remonta a 1973, Nova Iorque), esta jardinagem activista confunde-se hoje com a simples intervenção estética e ambientalista junto das urbes cinzentas. Mais do que reclamar a distribuição justa da propriedade, os jardineiros de guerrilha vivem o sonho de transformar as cidades em locais muito mais agradáveis e saudáveis para viver. De resto, é um princípio comum a muitos outros artistas que, nas últimas décadas, viram as suas actividades passarem a ser precedidas do termo “guerrilla”. Esta mudança no livro de intenções fica perfeitamente demonstrada quando, numa simples pesquisa no inevitável YouTube, ao termo “Guerrilla Gardening” surge associada a Adidas e a sua linha Adidas Grün. A Adidas dificilmente faria política, apesar de atenta a tudo quanto seja manifestação juvenil.

É simples, posto isto, ver este como um ponto de definição para o fenómeno Guerrilla Gardening. Ou a coisa permanece ilegal/subterrânea e corre o risco de perder a sua real importância, além dos seus praticantes; ou é legalmente assimilada e regulamentada pelos maiorais das cidades do mundo, perdendo toda a sua razão de ser. Mas enquanto dura, é coisa de grande beleza. Tanto estética como moral.

adaptado
PG

1 fragmento(s) de riso:

André jesus disse...

Uma boa prespectiva. =) Uma boa viagem acima de tudo.

Abraço